Disposição revigorada depois
de merecidas férias. Reencontro os colegas de trabalho e entre abraços e risos tornávamos
o ambiente escolar festivo e barulhento. Por alguns momentos esquecemos o árduo
trabalho recheados de desafios que nos esperava. Primeiro dia letivo na escola
pública onde eu trabalhava lecionando quinto ano. Dia de reunião administrativa
na escola. Começou e as novidades foram surgindo, a principal delas: a escola
não teria mais salas especiais, ou seja, salas exclusivas para alunos
portadores de necessidades especiais. Estava implantada na escola, a inclusão.
Todos teriam o direito de estudar em salas de aula regular. Achei aquela
notícia incrível! Havia novidade no ar! Sempre gostei de novidades no âmbito
profissional! Porém, enquanto a diretora falava, meus pensamentos faziam
cócegas e provocavam uma certa inquietação, sintomas de ansiedade gerados pelos
seguintes pensamentos: “Como assim? Não teremos nenhuma formação, nenhuma
preparação para esta mudança?” Percebi
que algo muito importante estava acontecendo, porém, sem nenhuma preparação
prévia. Só restava focar na reunião e prestar atenção nas falas que se seguiam.
_ Na sua turma terá três
alunos surdos. _ Falou a diretora. Fiquei entre animada com os novos desafios e
preocupada com um pensamento que se fixou na minha mente: “ E agora? Como vou
fazer?” Afinal, a faculdade não tinha me
preparado para este desafio.
Fui informada que teria uma
intérprete de Libras na sala de aula o tempo todo. Bem, já é alguma coisa. As
aulas começariam no dia seguinte. Precisava entender melhor a nova situação.
Conhecer um pouco da cultura surda, aprender um pouco de Libras! Quanta coisa
para estudar e tão pouco tempo.
Quando, finalmente, a educação
será levada a sério?
Estava iniciando o mestrado,
precisava escolher o tema da dissertação: claro, ali estava um assunto que
seria objeto de muitas pesquisas para atender a necessidade da minha turma,
agora com uma diversidade mais ampla. Assim começaram minhas pesquisas,
primeiro na prática, pois a inclusão já estava acontecendo, depois na
literatura.
A partir das primeiras
vivências percebi que a Inclusão dos estudantes deficientes auditivos na escola
regular era um tema preocupante que precisava ser abordado a partir de
diferentes perspectivas, entre elas: o
direito à cidadania e ao conhecimento e o uso de forma eficaz da Língua de
Sinais além da Língua Portuguesa. A
aplicação de uma metodologia inadequada para os alunos surdos resultaria num
desenvolvimento das competências muito abaixo do esperado em relação aos alunos
ouvintes.
Ao serem apresentados para
mim, os estudantes surdos (duas meninas e um menino) foram caracterizados como:
menina agitada, menina tímida e menino curioso. Percebe-se que quando se fala
em diversidade na sala de aula, esse conceito vai muito além do que se costuma
discutir nas reuniões pedagógicas e afins. Na minha tese de mestrado escrevi:
“Cabe a escola, o papel fundamental de proporcionar a enriquecedora experiência
de troca, de afeto, de aceitação das diferenças entre os estudantes surdos e
ouvintes”. Continuo pensando assim, porém, acrescentaria que as diferenças não
estão em ser surdo ou ouvinte, e sim no fato incontestável de sermos únicos em
qualquer condição.
Pensando na perspectiva do
direito à cidadania e ao conhecimento, iniciei minha prática sem nenhuma
experiência em lidar com surdos, apesar dos meus vinte e poucos anos na
profissão, resolvi então oferecer o que tinha de melhor no momento, pois a nova
situação ainda exigia de mim muito estudo e observação: à menina agitada,
oferecia o meu abraço afetuoso, gestos e expressões calmas num ambiente
tranquilo e acolhedor; à menina tímida, a discrição e o respeito pela sua
timidez, um sorriso gratuito e elogios moderados; ao menino curioso ofereci um
mundo de descobertas através de imagens e vídeos que falavam das coisas do
mundo, das coisas da vida; aos alunos ouvintes a possibilidade de aprender uma
nova língua com os colegas surdos com a ajuda da intérprete. Eu, claro,
aprendia junto. Como podemos observar, cada ação que realizamos para atender a
necessidade de um, torna-se enriquecedora para a aprendizagem de todos. Pois
tudo era para todos, embora intencionalmente sanasse a dificuldade mais
gritante de um ou mais.
Percebi que as capacidades
cognitivas iniciais dos estudantes surdos e ouvintes são semelhantes, porém fazia-se
necessário uma tomada de medidas que favorecessem o desenvolvimento pleno
desses alunos. É um processo amoroso que exige treinamento dos professores, um
ótimo planejamento anual do Projeto Político Pedagógico e uma série de medidas
que envolvessem a comunidade escolar, pois não basta inserir o aluno surdo na
sala de aula, a inclusão precisa acontecer dentro e fora dela. Mas na ocasião
não tínhamos nada disso. Uma grande aventura me esperava e eu precisava
embarcar nela com garra e persistência.
Zezinha Lins