sábado, 6 de fevereiro de 2010

A MENINA E O PÁSSARO



Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.

Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.

Se a porta da gaiola estiver aberta, os pássaros comuns vão embora, para

nunca mais voltar...

Mas o pássaro da menina, voava livre e vinha quando sentia saudades...

Suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas

pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava.

Certa vez, voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o

algodão.

"Menina, eu venho de montanhas frias e cobertas de neve, tudo

maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo

a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das

árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que eu vi, como

presente para você..."

E assim ele começava a cantar as canções e as estórias daquele mundo que a

menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do

pássaro.

Outra vez ele voltou vermelho como fogo, penacho dourado na cabeça.

"Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os

grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga.

Minhas penas ficaram como aquele sol e eu trago canções tristes daqueles que

gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos

verdes."

A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o

pássaro amava a menina, e por isso voltava sempre.

Mas chegava sempre a hora da partida. Chorava a menina e chorava o pássaro.

E a menina pediu ao pássaro que não mais partisse.

Eu vou lhe contar um segredo, disse-lhe o pássaro: as plantas precisam da

terra, os peixes precisam dos rios, nós precisamos do ar...

E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera da volta,

que faz com que minhas penas fiquem bonitas.

Se eu não for, não haverá saudades. Eu deixarei de ser um pássaro encantado

e você deixará de me amar.

Assim ele partiu. A menina sozinha, chorava de tristeza à noite. E foi numa

destas noites que ela teve uma idéia malvada.

Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá; será meu para sempre.

Nunca mais terei saudades, e ficarei feliz".

Com estes pensamentos comprou uma linda gaiola e ficou à espera. Finalmente

ele chegou, maravilhoso, com suas novas cores, com estórias diferentes para

contar.

Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente o

prendeu na gaiola para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.

Foi acordar de madrugada, com um gemido triste do pássaro.

Ah! Menina... o que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão

feias e eu me esquecerei das estórias...

Sem a saudade, o amor irá embora...

A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas isto

não aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ia ficando diferente.

Caíram suas plumas, os vermelhos, os verdes e os azuis das penas se

transformaram num cinza triste. E veio o silêncio. Também a menina

entristeceu.

Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava pensando

naquilo que havia feito ao seu amigo... Até que não mais agüentou e abriu a

porta da gaiola.

Pode ir, pássaro, volte quando quiser...".

"Obrigado, menina. Eu tenho que partir. É preciso partir para que a saudade

chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas

começam a crescer dentro da gente."

E o pássaro partiu. Voou para lugares distantes. A menina contava os dias, e

cada dia que passava a saudade crescia...

Que bom, pensava ela, meu pássaro está ficando encantado de novo.... E

colocava flores nos vasos à espera do seu amigo...

Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado como o

pássaro. Porque, em algum lugar ele deveria estar voando. De algum lugar,

ele haveria de voltar.

À noite, a menina ia para a cama com saudades, mas também com a esperança do

reencontro renovada.

Ah! Mundo maravilhoso que guarda, em algum lugar secreto do Universo, em

plena liberdade, o pássaro encantado que se ama... E que um dia, com

certeza, vai voltar...

Rubem Alves