sábado, 10 de junho de 2017

O desafio da inclusão




Disposição revigorada depois de merecidas férias. Reencontro os colegas de trabalho e entre abraços e risos tornávamos o ambiente escolar festivo e barulhento. Por alguns momentos esquecemos o árduo trabalho recheados de desafios que nos esperava. Primeiro dia letivo na escola pública onde eu trabalhava lecionando quinto ano. Dia de reunião administrativa na escola. Começou e as novidades foram surgindo, a principal delas: a escola não teria mais salas especiais, ou seja, salas exclusivas para alunos portadores de necessidades especiais. Estava implantada na escola, a inclusão. Todos teriam o direito de estudar em salas de aula regular. Achei aquela notícia incrível! Havia novidade no ar! Sempre gostei de novidades no âmbito profissional! Porém, enquanto a diretora falava, meus pensamentos faziam cócegas e provocavam uma certa inquietação, sintomas de ansiedade gerados pelos seguintes pensamentos: “Como assim? Não teremos nenhuma formação, nenhuma preparação para esta mudança?”  Percebi que algo muito importante estava acontecendo, porém, sem nenhuma preparação prévia. Só restava focar na reunião e prestar atenção nas falas que se seguiam.
_ Na sua turma terá três alunos surdos. _ Falou a diretora. Fiquei entre animada com os novos desafios e preocupada com um pensamento que se fixou na minha mente: “ E agora? Como vou fazer?”  Afinal, a faculdade não tinha me preparado para este desafio.
Fui informada que teria uma intérprete de Libras na sala de aula o tempo todo. Bem, já é alguma coisa. As aulas começariam no dia seguinte. Precisava entender melhor a nova situação. Conhecer um pouco da cultura surda, aprender um pouco de Libras! Quanta coisa para estudar e tão pouco tempo.
Quando, finalmente, a educação será levada a sério?
Estava iniciando o mestrado, precisava escolher o tema da dissertação: claro, ali estava um assunto que seria objeto de muitas pesquisas para atender a necessidade da minha turma, agora com uma diversidade mais ampla. Assim começaram minhas pesquisas, primeiro na prática, pois a inclusão já estava acontecendo, depois na literatura.
A partir das primeiras vivências percebi que a Inclusão dos estudantes deficientes auditivos na escola regular era um tema preocupante que precisava ser abordado a partir de diferentes perspectivas, entre elas: o direito à cidadania e ao conhecimento e o uso de forma eficaz da Língua de Sinais além da Língua Portuguesa.  A aplicação de uma metodologia inadequada para os alunos surdos resultaria num desenvolvimento das competências muito abaixo do esperado em relação aos alunos ouvintes.
Ao serem apresentados para mim, os estudantes surdos (duas meninas e um menino) foram caracterizados como: menina agitada, menina tímida e menino curioso. Percebe-se que quando se fala em diversidade na sala de aula, esse conceito vai muito além do que se costuma discutir nas reuniões pedagógicas e afins. Na minha tese de mestrado escrevi: “Cabe a escola, o papel fundamental de proporcionar a enriquecedora experiência de troca, de afeto, de aceitação das diferenças entre os estudantes surdos e ouvintes”. Continuo pensando assim, porém, acrescentaria que as diferenças não estão em ser surdo ou ouvinte, e sim no fato incontestável de sermos únicos em qualquer condição.
Pensando na perspectiva do direito à cidadania e ao conhecimento, iniciei minha prática sem nenhuma experiência em lidar com surdos, apesar dos meus vinte e poucos anos na profissão, resolvi então oferecer o que tinha de melhor no momento, pois a nova situação ainda exigia de mim muito estudo e observação: à menina agitada, oferecia o meu abraço afetuoso, gestos e expressões calmas num ambiente tranquilo e acolhedor; à menina tímida, a discrição e o respeito pela sua timidez, um sorriso gratuito e elogios moderados; ao menino curioso ofereci um mundo de descobertas através de imagens e vídeos que falavam das coisas do mundo, das coisas da vida; aos alunos ouvintes a possibilidade de aprender uma nova língua com os colegas surdos com a ajuda da intérprete. Eu, claro, aprendia junto. Como podemos observar, cada ação que realizamos para atender a necessidade de um, torna-se enriquecedora para a aprendizagem de todos. Pois tudo era para todos, embora intencionalmente sanasse a dificuldade mais gritante de um ou mais.
Percebi que as capacidades cognitivas iniciais dos estudantes surdos e ouvintes são semelhantes, porém fazia-se necessário uma tomada de medidas que favorecessem o desenvolvimento pleno desses alunos. É um processo amoroso que exige treinamento dos professores, um ótimo planejamento anual do Projeto Político Pedagógico e uma série de medidas que envolvessem a comunidade escolar, pois não basta inserir o aluno surdo na sala de aula, a inclusão precisa acontecer dentro e fora dela. Mas na ocasião não tínhamos nada disso. Uma grande aventura me esperava e eu precisava embarcar nela com garra e persistência.

Zezinha Lins