sábado, 22 de abril de 2017

O Sabor das Lágrimas





Mais do que um fluido lagrimal com sua composição feita de água, sais minerais, gordura e proteína, sabemos que a lágrima é puro sentimento. Ao pensarmos nas ocasiões em que choramos, lembramos de situações totalmente diferentes e opostas.
Nos meus devaneios de poeta, estive imaginando que de certa forma as lágrimas têm sabores. Tentando identificar alguns desses sabores surgiu esta reflexão: as lágrimas são amargas quando nos deparamos com a violência nua e crua, distante ou bem perto de nós. São azedas quando nascem da raiva que brota nos corações invejosos e arrogantes. São salgadas quando escorrem feito chuva no rosto pelas lições que a vida nos proporcionam através de experiências dolorosas, mas que nos fazem crescer como pessoas e lembrar que estamos vivos e que a vida é feita de fases. Agridoce são as lágrimas da saudade. E aquelas que vertemos quando rimos até a barriga doer? Acho que tem sabor de tutti-frutti. O sabor apimentado eu comparo com a dor física e haja pimenta quanto maior ela for.
Penso que as lágrimas aparecem quando o que sentimos é tão intenso que não basta sentir, precisamos por para fora o sabor do momento. Os motivos bons ou ruins para chorar são tantos, que falta sabor para comparar.
Mas o bom mesmo é nos deliciarmos com as lágrimas doces depois de termos experimentado todos os outros sabores.
Zezinha Lins
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sábado, 8 de abril de 2017

A PASTA PRETA




Dava para perceber que ele era o tipo de pessoa que sempre deixava tudo para a última hora, por isso andava às pressas como se pudesse ser mais veloz que o tempo. Quanto mais corria parecia não chegar a lugar nenhum. Eu sempre percebia a presença apressada daquele senhor diariamente no mesmo horário atravessando a avenida praticamente correndo enquanto tranquilamente eu tomava uma xícara de café debruçado na janela do meu pequeno apartamento pela manhã antes de sair para o trabalho. Dali, do segundo andar observava o caos urbano bem de perto como se fosse numa grande tela de TV. Buscava inspiração para minha coluna semanal no site Atualidades.
Mas naquele dia de outono, clima ameno, 28 do mês de abril, o homem carregava além do estresse gritante, uma pasta preta nas mãos nervosas. Olhava o semáforo para pedestres e o sinal vermelho o fazia sussurrar como se falasse para si mesmo alguns palavrões, num exercício de impaciência angustiante.
Pensei com meus botões: o que será que tem naquela pasta que o deixa ainda mais apressado e nervoso do que normalmente?  Imaginei mil coisas, uma delas: serão documentos pessoais para retirar seu FGTS de alguma conta inativa antes de pegar no batente? Desisti, realmente não dava para adivinhar. Mas continuei curioso, naquela pasta preta certamente teria algo realmente muito importante.
Sinal verde para pedestres, o homem aproveitou e correu, atravessou a rua e bem no momento que ia passando embaixo da minha janela, esbarrou numa jovem que também parecia muito apressada, aliás, todos estão sempre apressados. Um esbarrão e uma pasta preta aberta com uns papéis espalhados no chão, o homem repetiu gaguejando um pedido de desculpas enquanto tentava explicar o motivo da pressa pude entender do que se tratava. Pronto, já sei sobre o que vou escrever: 10 Motivos para não deixar o IR para a última hora.


Zezinha Lins

sábado, 1 de abril de 2017

Espelho, espelho meu...




Sentada em frente ao espelho ela observa sua própria imagem. Ela costuma fazer isso desde que ficou sozinha. Em cada momento, no rosto de sempre, consegue ver coisas diferentes além de uma linha de expressão que ela herdou do pai e um fio de cabelo branco que teima em se destacar em meio aos fios negros, vê um olhar sombrio, um rosto cansado ou um sorriso satisfeito daqueles que espalham brilho nos olhos, um viço na pele apesar de não ser mais jovem, um ar de vitória de quem conseguiu mais do que esperavam dela. O que ela vê, depende do dia, pois como toda mulher, ela é como a Lua, tem suas fases. 
Hoje especialmente ela se vê com mais cuidado, sem pressa. Enquanto suas mãos passeiam em seu corpo com seu creme preferido, se olha. Sua vida passa no espelho como um filme na tela de cinema, as imagens do passado se misturam com a sua, a mulher se vê tecendo sua vida fio a fio. Quantos erros, quantos acertos; quantas lágrimas, quantas risadas. Lágrimas que jorraram escondidas, risos fabricados. Ela já não mais tem pesadelos com o passado, não acorda mais em prantos. O espelho lhe sorrir e lhe faz lembrar que tudo isso passou e que ela deve pensar nas tantas conquistas que conseguiu usando garras de águia.
Seu corpo não recebe carinho há muito tempo, sua confiança não mais foi conquistada por alguém. Mas sua alma é serena e seu coração é pura ternura. Alma de mulher que não teme desnudar-se diante do espelho e encarar seus receios e seus mais belos sonhos que se realizam refletindo luz em seu semblante.
Olha-se no espelho e percebe-se mulher completa na sua solidão, pois ela não acredita em metades que se encontram e formam um todo e sim em dois inteiros cada um com sua sagrada individualidade. Ela é só. Ela é inteira.

Zezinha Lins